Quando eles me perguntam o porquê
De ter eu decidido versejar,
Não encontro uma resposta para dar,
Sou cheio d'incertezas - podes ver.
Entretanto, colegas meus, notai:
Quem dera fosse a Vida assim tão fácil,
Na verdade, mostrou-se a mim, tão grácil,
O Verso, repetindo-me: pois vai!
Poderia haver também outro motivo
Jurai-me que não ireis fazer piada,
Pois se manejo a lira, não é a espada
Incomum; eu pelejo e canto e vivo.
Estando a divagar por entre brumas
Repletas de cinzenta difusão,
Dos altos vi chegar a salvação,
Entre raios de Sol, brancas espumas;
Não sou vate d'helênicos caprichos,
Mas tais visões ufânicas são a causa
De devotar-me, sem nem mesmo pausa,
Ao grandioso deus de solar viço!
Pois ele é o patronal, total regente
Da Arte a qual meu empenho sacrifico,
A qual há-de tornar-me eterno e rico,
E no árduo labor ganho presente:
Como se fosse um abstrato pano,
Estendo, torço e limpo esta linguagem,
Igualmente, outros muitos também agem,
Buscando honrar tal deus, virar decano;
Sabendo qu'Ele tem conhecimento
Do futuro, presente e do passado,
Eu sei também que não fica ocultado
Nenhum segredo sob o firmamento;
Ele, líder das Musas, já me guia
No refinar de meus estranhos cantos,
Enquanto faz-me imune aos quebrantos,
Às insanas ofensas e perfídias;
Infelizmente, erguer-lhe antigos templos
Não é cousa que consigo (céus!) fazer,
Mas não irá sua glória fenecer
Dedico-lhe na rede novos tempos;
E não penseis que só por estar longe
A mira d'Ele falha ou se imprecisa,
Completa é a perfeição com que nos visa,
Mira o mendigo, o conde, o santo e o monge...
Meus olhos veem muitas colunatas
E sobr'elas, no azul intenso e puro,
Aquele disco d'Ouro, sem escuro,
Brilhando mais que as mais fulgentes pratas!
Calai-vos ao dizer mitologia!
Não sabeis do que estais a discorrer,
As ancestrais deidades posso ver,
Por isso digo: ele existe e existia!
Nestas eras medíocres, onde nada
É da forma ideal, da forma certa,
Cultua-se entidade insana e incerta
Que nem pela visão foi anunciada!
Entretando, cada um co'o que convém,
Não sou padre ou pastor; sem pregações!
Que outros teçam as próprias conclusões
Sem jamais obrigar-lhes, nem ninguém,
Pois nosso radioso e sempiterno
Senhor se mostra apenas à escolhidos,
Com arco que supera o de Cupido,
Com louro a decorar flavos cabelos;
Ainda não soubestes de quem falo?
Tudo bem! Hei de ser mais literal:
Concretude quando é tudo real,
Nem mesmo com tomates podres paro!
Imaginai que, olhando para os céus,
Penetra a calmaria uma carruagem,
Puxada por corcéis, numa viagem
Onde são desvelados negros véus,
Enquanto Ele percorre destemido,
Escapa, amendrontada, a Escuridão,
Entoca-se depois da humilhação,
Ó lorde! Triunfal sobre o que é visto!
É meu relato brasa, mas sem dolo,
Trata-se de primal necessidade:
Lançar aos ouvidos a Verdade,
A existência de meu senhor Apolo!