INFORMAÇÕES & PONDERAÇÕES

É mania relativamente comum entre certos sites do Neocities que se escreva um manifesto, algo que ocorre, ao menos em parte, por conta da grande influência do Yesterweb e de suas ideias nas inocentes almas dos webmasters. Eu poderia me aventurar e replicar-lhes os feitos, mas sinto, no final das contas, que isto não serviria bem aos meus propósitos. Embora a vontade de fazer declaração bombástica e inspiradora já me tenha seduzido num passado distante, verifiquei que essas declarações são quase inúteis; se não inúteis, questão de capricho pessoal.

Afinal de contas, um fato do qual estou plenamente ciente é que não tenho um décimo da importância que penso ter — sou um louco que fala consigo próprio, e, nos dias mais sortudos, com um punhado limitadíssimo de pessoas. Pergunto-me quantos daqueles que acessam meu site são de carne e osso; desses, pergunto-me quantos são lusófonos. Caso não sejam, boa parte daquilo que me proponho a fazer torna-se inútil, já que a linguagem é uma barreira que, especialmente nas artes poéticas (a maioria dos textos que postei são poemas, embora eu pretenda, muito em breve, postar outras coisas), é de difícil transposição.

Portanto, devo ressaltar que este texto não é exatamente um manifesto; a comparação com outros manifestos famosos, anteriores ao Neocities, como o Manifesto Futurista, por exemplo, deixarão isto claro. Não me muno de linguagem exagerada ou de pretensa verve revolucionária pois elas não me servem; o que eu realmente faço, e isto se pode ver, é algo mais abstrato. A rebelião pode tomar várias formas, e eu sou o primeiro que incitará os oprimidos (e falo de opressão em termos amplos, não apenas na acepção marxista da coisa, mais socioeconômica) a se rebelarem contra seus mestres. Óbvio, está fora de meu alcance pedir por rebelião armada, principalmente porque eu acredito que, embora ela pareça efetiva, não trará muitos resultados nos dias de hoje; provocaria um banho de sangue desnecessário e fracassaria, até porque o sistema (o capitalismo, o complexo militar-industrial, entre outras fantasmagorias) precisam ser minados lenta e sutilmente.

Na verdade, indo de encontro aos meus ideais anarquistas, que são muito mais stirnerianos do que de qualquer outra vertente, prego uma rebelião pessoal; um enaltecimento do EU, do self, além de todas as barreiras que ousem impor-se contra ele. Quando Aldernea é analisado de uma ótica individualista, tudo faz mais sentido; certa infantilidade agressiva se justifica. Entretanto, esta infantilidade coexiste com uma estética "mágicka", algo que se explicita nos vários símbolos de Mercúrio estampados nas páginas. Por que os uso? Há nisto algo mais profundo? Para responder estas perguntas, terei de me aprofundar mais na história do site.

A DIFERENÇA ENTRE IDEIA E PRÁTICA

A prática, como podemos ver, não tem começo em si própria; toda prática é a reflexão de uma ideia, e toda ideia consiste na racionalização de um desejo. Quando eu descobri o Neocities, — algo que se deu no começo de 2022 —, fiquei maravilhado pela ideia de ter um site só meu, principalmente porque isto era algo que eu já queria há tempos. Era comum que, antes mesmo de saber os rudimentos do HTML e CSS, eu criasse layouts de sites imaginários no GIMP. Além do mais, o Neocities eximia-nos da obrigação de pagar; era, portanto, um sonho, um pedacinho dos céus que caiu na terra, (hah!).

Algo que acontece comigo quando descubro uma novidade excitante é que torno-me fixado nela completamente, e nisto não estou sendo nem um pouco exagerado: sinto um vazio no estômago, um incômodo físico, uma sensação de que, caso eu não me emerja de forma total no que quer que esteja fazendo, não poderei descansar. Por que seria diferente com o Neocities? Após aprender um pouco das linguagens de formatação, criei Aldernea sem pensar duas vezes. Em 11 de Abril de 2022, ei-lo em sua versão mais rudimentar; não pretendo, como fiz em textos anteriores, explicar todas as etapas visuais pelas quais o site passou, já que isso não importa muito. Ao invés, abordarei outra questão, muito mais importante.

A ideia de Aldernea era falha porque eu nunca pensei para que o site serviria, ao menos não de forma suficientemente detalhada. Há dois anos atrás, no auge de meus quinze anos, não tinha muitas coisas para postar: embora já tivesse me aventurado no mundo da escrita algumas vezes, sempre fui errático e relapso nas práticas, e o resultado era que nada parecia corresponder às minhas irrealistas expectativas. Ainda sou perfeccionista, mas um maior output me mostrou que sempre existirão textos ruins e, de mesma forma, sempre existirão textos bons, feitos num momento onde as musas nos agraciam; se uma pessoa só erra, ela está fazendo algo de errado. Por outro lado, se só acerta, ela não é uma pessoa, porque errar é intrinsecamente humano.

Portanto, o problema era o seguinte: Aldernea, consistindo num desejo irracional, não foi racionalizado suficientemente. Coloquei em prática certas ideias, mais bem definidas que suas semelhantes? Algumas, sim; outras, demoraria bastante para tirar da cachola. Por isso, os primeiros anos deste site transcorreram numa completa falta de relevância, de conteúdo — para usar uma metáfora, de carne. Eu tinha apenas um esqueleto, um esqueleto sorridente e animado, sim, mas um esqueleto. O que faltava?

No final do ano passado, Aldernea começou a tomar contornos mais definidos. Eu gritei, bati o pé e disse a mim mesmo que não relutaria nem um pouco em postar qualquer coisa que eu escrevesse. Seguiram-se a isto os meus primeiros poemas em verso livre, dos quais dois remanescentes estão vivos (ainda). Percebi que eu era covarde e imperito demais para prosseguir com esta proposta, então esperei e estudei melhor o fazer poético antes de me aventurar novamente. Enfim; não quero falar sobre isto, porque não é o ponto do texto.

Ainda no começo deste ano, eu quis realizar mais plenamente o projeto de uma cibernação, já que sempre gostei de geopolítica. Digo-lhes que, novamente, algumas ideias não eram totalmente ruins, mas outras eram — a indefinição revela-se, outra vez, como obstáculo quase intransponível. O problema era que uma cibernação deveria consistir em algo muito maior do que aquilo que de fato consegui fazer; exigiria muitas páginas, um mapa, entre outros detalhes que, dadas as minhas atuais circunstâncias e a instituição draconiana de ensino na qual estudo, eu não teria tempo de arquitetar. Esta instituição, aliás, desempenhará papel fundamental em certos desenvolvimentos posteriores; sem ela, eu não teria descoberto a verdadeira função de Aldernea.

Para responder a pergunta, os glifos de Mercúrio vão muito além da associação pueril entre o simbolismo do planeta e o fato d'este ser um site dedicado à escrita. Até porque tais associações são mais astrológicas do que qualquer outra coisa, e eu, como bom caoísta, acho a astrologia uma palhaçada, palhaçada esta sustentada exclusivamente pela credulidade de ovelhas que querem sentir-se sem livre-arbítrio, que querem ser sodomizados pelo cintaralho de argamassa do Destino; afinal, é horrível ter responsabilidade pleas próprias ações. Foi necessário muito estudo de minha parte para chegar a conclusão de que astrologia é besteira, mas antes tarde do que nunca, certo?

Leia o parágrafo anterior novamente e ignore minha divagação agressiva. Sou, como já disse, um caoísta, isto é, um praticante da Magia do Caos. Difiro de qualquer crédulo não porque sou ignorante aos deuses e às manifestações espirituais, mas porque, apesar do meu ceticismo (isto é, preciso VER algo funcionando, PROVAR que algo funciona, antes de dizer que funciona), aceito a existência de uma série de fenômenos metafísicos. Nisto, a Magia do Caos sempre pareceu-me assaz efetiva, porque funcionou em várias circunstâncias diferentes.

Uma ideia, pois, só é decente se tiver aplicação prática; se não tem aplicação prática, se só consegue sustentar-se enquanto no reino das ideias, não presta. É inútil. É história (ou seria estória?) pra boi dormir. Aldernea era um site bonitinho em suas iterações mais recentes, mas consistia de coisa vazia, e, portanto, inútil. Destarte, eu gosto de ideias grandes, de ideias exageradas, de ideias impossíveis. Ou seja, não sou tão pragmático e pé no chão quanto parece, muito pelo contrário. E é esta dualidade latente de filosofias que me indicou, mesmo que sutilmente, os potenciais de Aldernea.

VOCÊ É CONFUSO, CARALHO, VÁ DIRETO AO PONTO!

O que vou falar agora se realizou apenas em partes, o que significa que ainda há longo caminho a percorrer-se. Entretanto, estando a ideia de Aldernea indefinida na minha mente, sempre existiram noções conflitantes: como fazer um site de cunho pessoal e artístico alcançar maiores patamares? A banalidade de algo pessoal e a impessoalidade permanente que eu almejava pareciam impossíveis; contraditórias, inclusive. De fato o são. Contudo, foi através de uma epifania que cheguei a consenso desejável.

Desde o início de minha estadia aqui, atentei-me a um tipo particular de site: aos "lainistas", como gosto de chamar. Em outras palavras, sites que se inspiram em Serial Experiments Lain. Por que são interessantes? Porque, de uma perspectiva caoísta, representam muito, muito mais do que aparentam. Não são meros experimentos de webdesign, programação front-end ou o que quer que seja. Através das referências e da devoção inconsciente a uma forma-pensamento (ou seja, Lain), convertem-na em egrégora, fazem com que tenha consciência autônoma e potencial de mudar a realidade — que é o objetivo central da magia. No próprio anime, cabe lembrar, Lain já é anunciada como uma deusa da Wired, então tudo adquire o tom de uma profecia autorrealizável.

Imaginem um diagrama de Venn com três círculos. O primeiro é o nosso mundo; o segundo é a internet; o terceiro é o plano metafísico. Como bem sabemos, estes mundos hão de encontrar-se numa intersecção. E o que seria esta intersecção? Qual seu nome? Como ela opera?

Bom, não sou o melhor com nomes, então esta pergunta ficará sem resposta. Contudo, chamá-la de intersecção — ou Intersecção, pois é A Interseção, e não qualquer intersecção — já deverá bastar. A Interseção consiste do mar onde todos os diferentes veios do rio desaguam; ela é a síntese entre esses três planos, ela permite que os arquétipos e formas-pensamento do inconsciente coletivo interajam com os arquétipos, as formas-pensamento e as intenções individuais do magista, realizando profusas e abundantes trocas. Aí tudo fica mais claro: nós, estando no mundo físico, inspirados por uma manifestação de ordem numinoso-metafísica (que pode se dar através de uma obra de arte, como SEL, por exemplo), concretizamos no mundo virtual tal manifestação.

Espero, portanto, que tenha ficado claro o porquê de eu usar tanto o glifo de Mercúrio; porque Mercúrio-Hermes é o psicopompo, aquele que ajuda as almas dos finados a fazerem a travessia para o Hades. Mercúrio é o entre-mundos. Esses símbolos, além de combinarem com a estética geral do site, são sigilos, cujas intenções, creio, já devem estar óbvias.

Conforme a internet evoluiu, parte de sua função original acabou sendo lançada às traças. Nós fomos incapazes de entender que ela não é apenas uma ferramenta, mas um mundo que, embora possa refletir o nosso, não é o mesmo. As deturpações, as mentiras e os absurdos com os quais nos defrontamos hoje têm, como raiz, esta deturpação primeira. Portanto, não basta apenas deixar as redes sociais, porque a rede social consiste de um dano colateral; é necessário descartar a filosofia na qual elas se baseiam, que é a filosofia do hiperpessoalismo. Aproveitando-se da Interseção, o hiperpessoalismo cria uma duplicata errônea do nosso mundo no mundo cibernético.

"Há algo de errado, então, em ter uma seção "sobre mim" no site?", você deve se perguntar. Não! De modo algum. Se for uma vontade sua, faça; é necessário lembrar que, apesar de certas divergências aqui e ali com Stirner (ele não gostaria que sua filosofia fosse seguida com rigor bíblico, suponho), ainda considero-me adepto de várias de suas ideias. A questão verdadeira é que a internet pode permitir expressões muito mais amplas e excepcionais do Ego, principalmente por suas vastas possibilidades e poucas limitações. O hiperpessoalismo deve ser substituído por um novo tipo "pessoalismo", que, no entanto, não se limite nem imite as duras amarras do mundo material, e sim as transcenda. Caso você deseje resposta mais simples, no entanto, saiba que o verdadeiro problema não é este tipo específico de página, mas a exposição demasiada nas interwebs.

Isto dito, este texto está sujeito a alterações, correções e ampliações. Afinal, um rio nunca há-de ser o mesmo.