A ESPERA
As mesmas nuvens negras mencionadas
Como fuligem sujam os azuis céus,
E os grunhidos das Almas condenadas
Pelo carrasco dizem: Tragam os réus!
As escarpas das costas s'abandonam
Ao voraz apetite d'ondas loucas,
As contagens da Morte não se domam:
"Hoje ceifarei muitas, não mui poucas"
No olho do furacão, jaz um Rei fraco
Tentando impor mil ordens (pobres súditos),
Entretanto, hoje não passa d'um caco,
D'uma sombra do que era em dias fúlgidos,
Como se hordas d'insetos, nele pairam
Os fantasmas daqueles que matou,
Nem mesmo goles muitos amainaram
A dúvida brutal que s'avultou:
Era o momento! E um barco os mares rompe,
Cortando o neveiro do horizonte,
"Seria meu bom colega, o amável conde?
Ou algum desconhecido e mau Caronte?"
Nesta infantilidade que é pungente,
Onde tudo s'enquadra em Bem e Mal,
Nunca cogitou o Rei que, tão imponente,
Viria um vingador com ato fatal:
Aproxima-se o barco d'onde está,
Mas antes que sequer possa falar,
Ouve uma gargalhada: Ha ha ha!
E a Esperança que tinha foi pastar...
Trazendo no vazio e horrível olhar
O furor de quem foi parar na forca,
Este ser morto e vivo, a gargalhar
Tira a espada e mostra a fria força!
Com um certeiro golpe, ele atravessa
Do Rei o peito, sangrando em profusão,
Inda irado, continua e não cessa
Até que o real crânio vá ao chão;
O mesmo fim o Rei teve qu'outros tantos,
E serve-lhe a cabeça de troféu,
Lembrete do final desses tiranos
Que roubam, matam, 'spalham cruel fel,
Agora as nuvens não mais são escuras
E os condenados podem repousar,
O horizonte luziu, visões futuras
De Liberdade avançam pelo Mar!
Longe do reino, avista-se barquinho,
Conduzido por único sujeito,
Leva nele uma taça e muito vinho,
E na proa sinal de desrespeito:
Uma coisa azulada, com buraco
Onde deviam estar, antes, os dentes,
Os tecidos qu'haviam, já bem fracos,
Soltaram-se, com ar de decadentes;
O natural final de quem embarca,
Nunca é agradável, disso há certeza,
Por isso, deve ter-se esta destreza
De não atrair o faro d'um Anarca!