A TORRE
I

Eu, que em demasia andei por esses lugares,
Eu A. — eu bardo — eu sujeito das muitas vozes,
Agora defronto este forte sicômoro.
Defronto o sicômoro e falo-lhe as mágicas-palavras —
(Quais palavras não são e não têm Magia?)
— E tu, o quê hás de cantar-me?
Se é que hás de cantar-me algo,
Tu, que presenciaste tuas folhas e cujas folhas
Voaram livres e mais cresceram,
Tu, cujas folhas caíram em derrocada ao chão e coroaram a terra,
É tu que chamo-te, Ó sicômoro imemorial,
Pois através do teu silêncio canções cantavas,
E em volta de ti ergueram vilarejos — ícones de deuses
Foram feitos com a carne sólida porém palpitante,
A carne rica em seiva de forte âmbar que te corres;
Teus subtis olhos viram o Mundo,
E eu vi o Mundo, mas viste por mais tempo que eu,
Que qualquer um que ouse dar-te nomes.

Quão frondoso és e quão frondoso sou quando uno-me a ti,
Quão frondoso seremos errantes pela memória abrindo-se,
Quão eterno és, velho sicômoro que abre as tuas asas,
Cansado mas não cansado da terra, eleva-se aos celestes marulhos,
E agora que estás aí presenteio-te com estas notas,
Presenteio-te com os marulhantes sons da lira,
Presenteio-te — presenteio-te como fiz muitas vezes,
E as músicas que componho como mel adoçam teus galhos, teu tronco,
Como mel adoçam os frescos ares.

Foram nas noites passadas ou na Noite
Que eu me lembro apenas nesses sons,
E não mais em memória qualquer que seja,
Foi nessa Noite azulejando de escuros os arredores,
Fazendo lembrar-se a memória — lembrando a memória,
Que tu, sicômoro, alimentaste o céu e alimentaste a canção,
E agora irás alimentar-me a alma, pois conheço-te:
Foste aquele que privilegiadas visões teve
Diante daquilo que sabíamos e desconhecíamos —
Queda imprescindível da Torre — também a queda
De seus muitos artifícios,
A queda de seus tiranos — de mortos e soterreados tiranos.
Abrindo-se para uma nova realidade,
Disseste e eu disse também:

— Vem agora, Novo-Mundo! Vem para ver,
Vem agora que a Torre caiu,
Que a Torre sangrou e foi sangrada pelo corte de espadas,
Lépidas lâminas em seus cortes sagrando a realidade,
Lépidas lâminas em voo pelos ares, flechas cortando também,
Cortante flechas fincando-se,
Flechas de Alafren-Multipotente que deves lembrar, Ó sicômoro!
E canto-te também, Alafren, em glórias e histórias,
E canto-te como ninguém cantou outro que ti não fosses.

E canta-te também o Sicômoro, se é que lembras,
Pois nele escoraste o cansado corpo
A querer um momento só onde pudesses fechar os olhos;
Perigoso é o caminho dos vagantes,
Perigoso é o caminho dos que cantam,
E porque não se entrelaçam — agora são o mesmo caminho?
Os separados caminhos unem-se neste entrecruzar,
E os magos de outrora levantarão as estrelas outra vez,
E nós riremos em glória, potência e forma outra vez,
Vem aqui para falar — junta-te a nós neste momento, Alafren
Junta-te a nós em fremente verbo,
Junta-te a nós nesta música, pelos rastros da musa segue,
Segue a cavalgar como cavalgamos em direção ao horizonte,
Comigo — entre os raios de sol — entre as brumas canta,
Canta, Ó livre — canta tua história — canta o que aconteceu;

O espírito do sicômoro também segue-nos
Pelos rastros — momento que é-nos de Agora,
Ele segue-nos e conservamos ainda a vista dos galhos,
Galhos como garras a crescer, a comandar as ventanias,
E pelo espírito do sicômoro em força livremente falamos
E tu falas também que sei, Ó Alafren,
Pois atenta-te que vou musicar
As palavras que de tua boca vierem,
Virentes palavras no verde das montanhas ao Leste,
Palavras no virente dos olhos que singram nas órbitas,

Pois começa Alafren a dizer, a recontar do início:
— Eis! sobre a sombra luminosa desta fogueira,
Foi que vi pela primeira vez a Torre refletir-se.
Olhei p'ro alto e sabes o quê vi?
Nada vi senão as estrelas em tortuosa amplitude,
Nada vi senão a poeira de deuses quebrados...

Levantei-me,
Olhei para a reflexão do noturno-sol no lago,
Olhei e vi a Torre assomar-se sobre mim, fronte zombeteira;
Olhei para cima e nada vi, nada encontrei —
Comecei a duvidar, atentei os sentidos;
Pois não era assim que devia acontecer.
Ensinaram-me num passado distante — no passado de Alder,
Que as coisas que refletem existem — não devia ser diferente
E não era; pois a Torre respirava, ria deliciosamente
De minhas tentativas de encontrá-la — muito ria.
O som de seus ecos, dos ecos de suas risadas, vivamente brilharam,
Foram aos ouvidos — instilaram-me muitos pensamentos —
Queria que se calasse, pois estava
Falando sobre a época nas montanhas em Karchit'mid.

Levantei-me,
Desta vez não para olhar-lhe a risonha face, mas para declarar guerra:
Se pensas que podes brincar com meus sentidos,
Se pensas que és capaz de fingir-se de invisível,
Se pensas que faço parte de teu estúpido joguete,
Engana-te — agora não vais mais enganar-me, nunca me enganaste;
Nervoso, grande o furor, peguei a aljava,
Aljava, merecedora do título de multipotente,
Livre aljava repleta de flechas sobre as quais falavas,
As flechas que voam e que flamejam como a fênix flameja
E o flamejar das penas é o flamejar que as faz;
Mil flechas na aljava feitas somente ao meu querer,
Coração em alto ponto, acção em alto ponto,
No alazão montei, desatei a corrida pelo oculto campo,
E a noite estava mais clara — menos densa conforme eu corria;

— Vais fazer o quê? — perguntou-me camponês que lavrava a terra
Sob o noturno-sol lhe banhando a silhueta, simples roupas.
— Vou agora para a guerra com o que não se pode ver;
— E vencerás esta guerra? Dizem as lendas
Que se perde quando se luta contra o invisível...
— Senhor, — falei — quem há de escrever
Meu destino e somente meu destino,
São os deuses do Olimpo, os deuses Nemorais e os outros deuses,
E eu mesmo hei-de ser deus quando iniciar isto que se chama
De cavalgada e a cavalgada pelas eras ressoar.
— Então vás fazer o que tens de fazer, meu amigo andarilho,
Se conseguires, então irei libar-te com muito vinho,
E se perderes, então estes lírios que cultivo colocarei em teu túmulo.

Então comecei a Cavalgada agradecendo-lhe —
Bom homem — muito bom homem;
E, na velocidade que aumentava cada vez mais, aparecia a Torre,
A Torre se desenhava para mim — cinzenta, plúmbea como Saturno,
Mas não tive medo e não afugentei-me ante à silhueta.
Mais marchei e marchei na corrida desatada pela montaria,
Alazão potente e multipotente, mais multipotente que as flechas.
E em dado momento chegaram as Legiões;
Deu-me força, deu-me motivação saber que não estava sozinho!
E vinham as Legiões do Leste trazendo os arqueiros,
As Legiões do Sul trazendo os espadachins que cortam o vento,
As Legiões do Norte trazendo os hábeis manejadores de malditas adagas,
Todos eles vieram para ajudar-me,
Todos eles para ajudar-me pois são Andarilhos,
Andarilhos cujo destino está marcado — está sempre-livre e a Torre tolda;

— Andarilhos! Bem alto lhes disse,
Não mais sereis oprimidos pelas cousas,
Não mais sereis esmagados pelo peso da prisão,
Sereis e ganhareis muito em sonho — em verdade — em presentes,
Em velocidade que é o que quereis — na velocidade
De cavalgar com liberdade a liberar-se pelo nosso movimento —
Eia é o que quero ouvir saindo dos vossos pulmões,
Eia para assustar e muito assustar a Torre,
Esta que já se curva — se dobra sob o peso dos brados,
Torre de tortas estruturas tementes de queda,
Pois vamos dar a quem quer a queda e a quem quer a Vitória!

E pelos ares lançaram as flechas — cruzaram-lhe os tecidos diáfanos,
As espadas pintaram o peito dos inimigos com sangue —
Trêmulos, rolaram para tombar nos sopés das colinas.
E eu lancei minhas flechas flamejantes — mil delas ao som
De nossos trotes infinitos, largos trotes desatando,
Penetraram e queimaram a Torre, que gritou —
Gritou, mas não a ouvimos; mais e mais lançamos,
E as Legiões grandiosas de grandiosos Andarilhos deflagraram
Guerra, que nos deu florido e luminoso horizonte.
E falas tu bardo de tantas coisas, recordas esquecidas palavras,
E sei que és homem que tem muito por cantar e ainda cantarás,
Mas quando a Torre desabou jamais saberás a sensação
Sensação incessante — jamais.
Sob os destroços da Torre, surgiu agora e nasceu
O alado, fortíssimo sicômoro,
Que tinhas tu visto antes.
Este sicômoro há de marcar a era do Verbo,
A era verdadeira — a era de honras e honrarias,
A era onde os deuses imperam e a Torre com suas
Máquinas, maquinações e mentiras
Não mais terá lugar — Eia eia eia, sicômoro!
Comigo canta — bardo — pelo tempo e pelo caminho a ir-se!