O Caos
Por Martins Rex
Homens comuns! Este texto não é dedicado a vós. Nada quero ter a ver com vossa senda nojenta; viveis, comeis e fodeis como meros animais, pois é isto que sois. Nada senão a marca do mais intenso primitivismo preenche-vos o Ser.
Que a sombra da Dúvida nunca cruze velozmente tão torpes consciências! Que vossos olhos nunca almejem ver além daquilo que vos foi proposital e pifiamente reservado!
Vós sois a escória sobre a qual a escória-maior sustenta-se, e por ser escória não podeis (e não ireis) tentar nada de ousado, de fresco, de excitante e exitoso. A tentativa se reserva somente aos corajosos, àqueles a quem preferistes negar a existência e o impulso em direção à Conquista.
Embriagados com o néctar da existência, dormis, mas sonhais? Sonhais com o quê?
Sonhais com o nada, com vossa própria e patética vida em mil desdobramentos possíveis. Falam os fráteres de Ideaplanos, mas quais ideias tendes vós? Nenhuma; sois incapaz, pois ideias de verdade, por mais questionáveis e impraticáveis que sejam, reservam-se aos livres.
O motivo de desprezar-vos a senda, homens comuns, deriva de anos e anos vivendo sob vosso teto; ou, a ser mais preciso, sob vosso chão. Como verme rastejante e insignificante, eu me movia enquanto sentia pés ameaçando esmagar-me, apenas porque não quis compartilhar o mesmo pão bolorento que servia-vos (e serve-vos) de alimento.
Sois conformistas - a morte do Heroísmo, a Pulsão Original do Fogo e da Carne, é isto que almejais. Sempre foi assim. Quando não desejáveis suprimi-la, desejáveis apropriar-vos dela para perpetuar o funcionamento de máquinas escusas. Sois tão pateticamente desprovidos de Heroísmo que não vos há nem mesmo a coragem de declarar guerra aberta.
Preferis fazer isto através das vossas organizações, igualmente pífias; organizações que ensinam a servidão, que propagam a Ordem, que divertem-se em cortar pela raíz qualquer tendência à Multipotência. E fazeis isto por quê? Simplesmente porque desejais, num impulso servil, vos provar dignos de vossos mestres.
A vós, homens comuns, nada além de meu desgosto; não mereceis que eu gaste mais palavras falando de vós, pois jazeis carcomidos pelas próprias mentiras que adorais propagar. Essas mentiras serão o punhal definitivo que perfurar-vos-eis os corações atrofiados, esquecidos de sentir e de pulsar.
Enquanto isto, deixai que eu fale para os meus; para os multipotentes inconformistas, para os diabos-que-desafiam-deus. Pois este é o verdadeiro Heroísmo, situado além de tudo que ousais dizer; situado além de símbolos luminosos e de uma redenção tão ou mais pífia que vós.
Este heroísmo é o visceral e sombrio. Este heroísmo - ou Heroísmo, pois é nosso e não vosso, e nem de outros - decorre da ação de forças verdadeiramente poderosas, muito mais do que sequer podeis quantificar com vosssas mentes, tão ou mais atrofiadas que o coração.
Agora, Multipotente, é a ti que falo. Imagina, por um momento que seja, o conceito de Herói que normalmente se apregoa aos quatro cantos por bocas maliciosas e penas embebidas em somnífero fel. É Herói envolto em raios luminosos, dourados, figura que impõe domínio através de atos e palavras magnânimas combinadas ao carisma da personalidade e à beleza do físico.
Já que és Multipotente, questionas; e se questionas, sei bem que intentas conhecer as verdades todas.
A questão vigente, então, é a seguinte: quais palavras este suposto Herói propaga? O que este suposto Herói quer? Por que representa o ideal destilado da perfeição plástica? O que pretende ocultar valendo-se de exterior marmóreo?
Diz aos quatro cantos palavras que imponham Ordem. Através disso, nota-se que nunca esteve mais distante de qualquer tipo de imposição de si. A Ordem que deseja impor, notarás, é sempre aquela ordem que se impõe às ovelhas de um rebanho, cegas pelo próprio número, necessitadas de alguém que lhes conduza habilmente pelos padres.
Este tão ideal Herói degenera-se numa criatura risível: primeiro, em mero monarca atrofiado, incapaz de levantar a bunda do próprio trono, ao qual esta já se fundiu. Depois, torna-se caricatura vazia, um símbolo de poderes minúscúlos e potências nulas, capaz apenas de exercer atração sobre os mais tolos e deslumbrados.
Vês, Multipotente, como a luz deste Herói, por mais ofuscante que seja, é também a mais frágil? Pode ser tão facilmente apagada quanto a de uma vela. Sem ela, sobra apenas carcaça fétida.
Enquanto um Sol artificial brilha sobre as cabeças desses Heróis tão ou mais artificiais que o brilho que emananm, a escória-maior encontra espaço para instaurar-se, tão primitiva e insignificante quanto sempre foi: conselho de homens sem nome e sem rosto que carregam poder, escondidos pelo doentio brilho. Eles divertem-se ao ver que não podem ser vistos. A fachada lhes cai tão apropriada! É tão ilusória, porém tão eficiente!
E qual há de ser nosso papel nisto? Qual há de ser o teu papel, Multipotente, quando confrontado com situação destas?
Sabes perfeitamente que o Sol, em algum momento, há-de se pôr. A Noite vem sombria a cavalgar em suas estrelas, trazendo consigo a incerteza ctônica de nossa existência. E dela é que devemos nos valer, da ausência de um símbolo patético.
Sob o auspício de um brilho perverso em nossos corações - perverso, mas infinitamente mais belo e original que o brilho dos falsos Heróis -, bsucaremos a carne e derramaremos o sangue, pois tudo vale para abalar o mundo onde as escórias se regozijam. Nossa confraternização ocorrerá sobre os cadáveres de nossos inimigos, onde riremos e cantaremos para que até mesmo os céus ouçam.
Estamos aqui! Apesar da tentativa dos tolos de mente, fracos de espírito, de impor-se; estamos aqui apesar da ordem bastarda que tentaram vender-nos como a melhor das obras!
Não pretendemos abandonar este mundo tão facilmente. Se eu vivi como verme em boa parte de minha existência, se fui forçado a tornar-me tão vulgar e baixo em meus meios, que seja; os sinos da Vingança badalam em meu peito, e devem badalar no teu também.
Pois este é o Caos!
Caos, força primordial que espreita por trás da matéria, Caos de muitos olhos e muitos membros, Caos multicor, Caos disforme; o Caos em toda sua potencialidade ilimitada, em sua capacidade de abrasar este mundo numa tempestade escaldante.
O Caos reina onde o Sol foi incapaz de tocar; o Caos é nosso evangelho, e a Poesia é nossa ferramenta. E elas consumirão este mundo, destruirão este mundo e recriarão este mundo.
Tenho uma pergunta para fazer-te, Ó Multipotente; pois se fazes as perguntas, eu também as faço. Não ficas cansado quando não dão-te valor pelo que fazes? Pois por mais que tenhas ouro, o teu ouro não lhes vale nada?
Esforças-te, eu sei - aquilo que disse não muda. O impulso de grandeza guia-te para extraordinárias coisas, para os picos da existência; há algo no teu interior a dizer-te para exceder-lhes os feitos, para superar-lhes a vontade. Mas mesmo que estejas num labor apaixonado, mesmo que os ossos arrisquem desprender-se da tua carne, ainda sim não reconhecem-te.
Reconhecem uns outros, cheios de si, mas vazios por dentro; pois a escória só tem poder de reconhecer a escória, nada mais. Retroalimentam-se como os mais insignificantes parasitas, e o são naturalmente, diferindo daqueles que são impelidos a rastejarem.
Tens de entender: os Eleitos querem ter nada contigo. Eles são aqueles colocados pela Ordem para garatir sua continuidade, e neles brilha o mesmo Sol esdrúduxulo dos monarcas simbólicos. Pensam-se originais! Pensam-se um máximo! Superestimam o que são e o que fazem.
Se algum Eleito alguma vez enganou-te, que seja; se alguma vez pretendeu ouvir-te, que seja. Não reprime teus sentimentos, aquilo que corre por debaixo da carne, numa corrente subterrânea e atroz, pulsando e vibrando, emanando uma energia sombria.
Sentes? Que sintas! É o Caos agindo, o Caos contra todas as injustiças, contra as mentiras, contra a luz que ofusca, mas não revela.
É o Caos! Caos! Caos! Que teu nome ressoe através dos tempos - Caos! Ergueremos um coliseu de bestas nos corações dos homens, apenas para bradar-te. Derramaremos sangue no teu altar de violência, e nossa grandiosidade apenas espelhará a tua.
É por isso que nos levantamos; é por isso que nossas penas ardem. A Palavra é a bomba com a qual destruiremos pedaço por pedaço da prisão demiúrgica; a Poesia é o veneno que destruirá os males a afligir os que procuram libertar-se.
Nós não queremos nada senão a obliteração; não queremos nada senão estar contra algo e agir.
Queremos o Caos!